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A liga dos filhos contra os superpais
por Fernando Puga - Site Bolsa de Mulher
 

Quando somos crianças, nossos pais são o supra-sumo da criação humana. A mãe é aquela que conforta, alimenta, cuida, dá carinho. O pai, por sua vez, é aquele que proteje, com seu exemplo de força, caráter e razão. Os dois são sempre os mais chiques e inteligentes, sabem tudo de tudo e, para o nosso êxtase, moram no quarto ao lado, nos amam incondicionalmente e nos têm como herdeiros de tanta sabedoria. Mas, o tempo passa, a maturidade vai chegando e, um belo dia, começamos a perceber que eles não são lá tudo isso. São pessoas normais, com qualidades e defeitos. Só que parece que, principalmente esses últimos, tomam cores berrantes e, de uma hora pra outra, aqueles que eram nossos super-heróis viram quase super-vilões. É aquilo que os psicólogos chamam de assassinato dos pais infantis, um processo controvertido e conflituoso, mas profundamente necessário para o crescimento de pais e filhos.
Mais cedo ou mais tarde, de maneiras mais ou menos duras, todo mundo passa por esse momento. E não é nada difícil reconhecer os sinais dessa morte figurada. “Tem uma coisa que é sintomática, pra mim, desse processo. Eu lembro que, quando eu era criança, achava minha mãe linda e chiquérrima. As roupas dela eram sempre as melhores, o cabelo. Nas festinhas da escola, que iam as mães dos meus amigos, eu achava sinceramente a minha a melhor. Tinha na cabeça que, quando crescesse, queria ser igual à ela”, lembra a arquiteta Cristina Sobreira, 29 anos. Mas, foi só chegar a adolescência que tanta elegância caiu por terra. “Aí, você entra naquela fase de começar a se revoltar com o mundo, criticar tudo e a primeira coisa que você pega pra destroçar são os pais. Eu comecei a achar as roupas da minha mãe horríveis, o jeito de falar, o comportamento dela. De repente, ela que era o meu norte de mulher, tinha ficado brega, falava alto, comecei a ver mil defeitos em tudo”, conta Cristina, que, na época, não viu outra solução para tantos embates senão sair de casa. “Isso foi uma maravilha. Nossa relação durante a minha adolescência foi bem ácida mas, depois que eu fui morar sozinha, tudo ficou muito bem. Estamos ótimas hoje em dia e já nem acho ela brega, pelo contrário, voltou a ser muito chique!”, reconhece a arquiteta.
Para os pais, enfrentar esse flechamento também não é nem um pouco fácil. É a famosa fase dos aborrecentes, que parecem ter uma única missão de vida: testar os limites da paciência e do convívio dentro de casa. “Você tem a nítida impressão de que o que eles querem é esgotar você”, garante a decoradora Regina Portugal, mãe de Natália, 22 anos, e dos gêmeos Pedro e Rafael, de 19, segundo ela, integrantes de um exército implacável, um verdadeiro grupo terrorista doméstico. “É de enlouquecer. São ácidos, críticos, desobedientes. Eles acabam com o seu direito e dever de dizer não, não aceitam nada que barre a onda deles. Às vezes, a situação fica no limite e tenho que parar tudo para fazer uma convocação geral. Sentamos todos juntos e conversamos horas. É um teste de paciência pra mim, porque eles vêm com aquela má vontade de ouvir, de falar, acham que já sabem tudo do mundo e você, que é mais velha e experiente, não sabe nada. Mas conseguimos conversar e, pelo menos por um tempo, as coisas ficam mais calmas”, conta Regina.
A solução para enfrentar esse momento de forma saudável e aprender com ele é mesmo, segundo a psicóloga e psicodramatista Márcia Homem de Mello, o diálogo. Ela comenta que o processo de “assassinato” dos pais infantis é de grande importância para o crescimento do filho como indivíduo, de opiniões próprias. “É a partir dessa necessidade de opiniões próprias que esse processo se desencadeia. Quase sempre começa na infância e tem o ápice na adolescência e começo da vida adulta mas, como a maturidade vem diferente pra cada um, existem pessoas que só matam os pais infantis na terceira idade”, diz ela.
O nível de conflitos desse processo também está diretamente relacionado à estutura familiar e, consequentemente, emocional dos envolvidos nessa história. “Por isso, o diálogo é fundamental. Se não parar para conversar, ouvir e falar, fica aquela guerra de nervos. Porque os filhos estão testando os limites dos pais, questionando se eles têm razão. Nessa fase, não pode ter aquela coisa, ‘posso ir a tal lugar?’, ‘não, não pode’, ‘mas por quê?’, ‘porque não!’. É preciso explicar os motivos, senão eles entendem que os pais não sabem nada, que não querem vê-los se divertindo e ficam sem parâmetros. É realmente difícil ter paciência com eles nesse momento, mas isso é muito importante para o futuro deles e da relação entre pais e filhos”, finaliza Márcia.

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