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A terapia do cartão de crédito
Por: Fernando Puga - Site Bolsa de Mulher


Só a gente sabe como, às vezes, a carência vem violenta. Umas horas, é falta de abraço, outras, de certas palavras de incentivo ou mesmo de companhia para ouvir nossas lamúrias. Enfim, o que não falta dentro da gente é buraco para ficar vazio. Cada um se vira como pode ou consegue para tentar preenchê-los, só que nem sempre o reboco cai sob medida. Aí, a máxima que diz que a felicidade é uma ilusão do capitalismo se abre como um lindo dia de sol à nossa frente, pronto para ser aproveitado numa saída às compras. Afinal, atire a primeira nota fiscal quem nunca supriu suas carências com algum tipo de impulso consumista. Tudo bem, isso pode até ser saudável algumas vezes. O problema é virar vício ou gerar outra carência, a financeira. E essa não pode ser resolvida com mais contas a pagar.

Numa rápida e despretensiosa pesquisa, descobrimos que, nesses momentos de fúria de consumo, as mulheres preferem as roupas. Além de suprirem a necessidade de se dar um presente, elas ainda embelezam e ajudam a dar um empurrãozinho na auto-estima. "Não posso ir ao shopping se estou um pouquinho mais pra baixo! Meu cartão de crédito chega a ficar cansado! Eu saio sempre com alguma roupa. Me dá uma felicidade, mesmo que momentânea, aquela compra, ter aquela peça nova, fora que eu fico me sentindo mais bonita, poderosa, inabalável. Depois, quando chega a conta, eu me resolvo", garante a relações públicas Laura Nabuco. Outra que não consegue resistir à tentação é a estudante Silvana Maia. Ela está até hoje pagando as parcelas do fim de seu último namoro, em novembro do ano passado. "Saí no dia seguinte e comprei calças, blusas, sutiãs, tênis, almocei em lugar caro, fiz o diabo. Não vou dizer que me arrependo porque adoro tudo o que eu comprei, mas não precisava ter sido numa tacada só. Só sei que eu estava muito abalada e aquilo me fez sentir melhor", reconhece ela.

O segundo caixa preferido pelas mulheres para deixar dinheiro em momentos de capenguice sentimental, é o do salão de cabeleireiro. Novamente, se sentir mais poderosa e bonita é o objetivo. "Tem uma coisa no salão que me agrada muito quando eu estou carente é que eles te mimam. Fica uma em cima no cabelo, outra ajoelhada na sua frente fazendo a unha, outra que te pega pra oferecer um cafezinho, tem a que te lava a cabeça. É ótimo, me sinto muito paparicada, o centro das atenções", diz a agente de turismo Olívia Siqueira. Para quem está insatisfeita com a vida, o salão também pode ser um ótimo começo para ajudar a virar o jogo. "Sempre que estou insatisfeita comigo, vou ao salão e saio mais confiante. Fico me sentindo diferente, o que é maravilhoso para quem está querendo mudar alguma coisa na vida e não sabe por onde começar", assume a recepcionista Kelly Ramos.

Existem também aquelas que conseguiram encontrar comunicações mais objetivas e particulares entre carência e consumo. Muito citados em nossa pesquisa, os potinhos plásticos herméticos conhecidos como Tupperware, fazem a alegria de uma faixa emocionalmente desorganizada da mulherada. "Quando estou deprimida, entro numa loja de departamentos e gasto uns R$ 50 em potinhos. De tempos em tempos, renovo os da minha casa. Um amigo meu diz que isso é a tradução da minha dificuldade em conservar o carinho e a atenção que as pessoas me dão. Não sei se é viagem dele, mas até que faz algum sentido", acredita a designer gráfico Marcela Lino. "Se a deprê é em menor escala ou eu estou num lugar em que não tenha potinhos para vender, me satisfaço com dois chicletes, mascando até doer o maxilar. Tudo bem, eu não sou normal mesmo", diverte-se ela.

Já a psicóloga e psicodramatista Márcia Homem de Mello garante que tudo isso é sim, bastante normal. Para ela, comprar é uma forma mais rápida e prática de preencher espaços vazios, sem depender do outro. "Já que está faltando alguma coisa que eu não posso ter, eu me dou alguma coisa, algum presente, que possa fazer com que eu não me sinta tão vazio. É mais fácil porque só se depende de si e mata-se a ansiedade rapidamente. Só é prejudicial quando vira um mecanismo de vício, porque fica um movimento de perseguir eternamente a ansiedade", diz ela. Momentos de carência, além de teoricamente bons para ir às compras – que nosso dinheiro não nos ouça – são ainda as melhores oportunidades de se conhecer. Deixar o shopping de lado e ter uma conversa franca com si mesma pode não ser tão prático, mas acaba saindo bem mais em conta.

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