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Intimação social
Por: Fernando Puga - Site Bolsa de Mulher


Conviver bem em família é algo que requer bem mais do que carinho. É preciso também muita paciência e senso de compreensão para lidar com as cobranças que se disparam de todos os lados – inclusive do nosso, é bom não esquecer. Mas, de todas elas, a que mais costuma aborrecer são os apelos por presença e participação. É a obrigatoriedade de bater ponto nas festas de fim de ano, nos almoços de domingo ou, pior ainda, no aniversário daquela prima distante, de quem nem se sabe o nome, onde tias não menos próximas se surpreendem como estamos grandes e bonitos: “meu Deus, olha Dolores, ela está a cara da mãe!”. Pois é, impossível não se questionar sobre a real importância da nossa presença nesse tipo de evento. Mas antes de perder de vez a paciência, é preciso entender as expectativas que estão por trás dessas cobranças.
  
No começo do mês, a designer Alexandra Almeida, de 27 anos, resolveu ceder aos encarecidos pedidos e pressões dos pais e encarar uma viagem para interior do Espírito Santo, onde sua prima iria se casar. Os preparativos começaram ainda uma semana antes, com uma providencial ida ao shopping para escolher o figurino. “Minhas roupas são muito informais e minha mãe achou melhor que eu escolhesse uma coisa mais certinha para usar no casamento. A princípio chiei, mas como ela resolveu pagar, cedi”, conta. Segundo ela, já nas compras começaram os problemas. “Tudo de que eu gostava, ela achava que era muito ‘moderno’ e que não iria cair bem com a ocasião. Nos estressamos um pouco, mas conseguimos um vestido que era meio termo. Comprei, mas fiquei chateada porque, mesmo não tendo sido pago por mim, foi caro e poderia ter aplicado aquele dinheiro numa roupa que voltaria a usar depois”, conta.
  
Na festa, o desconforto de Alexandra não ficou apenas na indumentária – com direito a salto alto. Sem ter assunto com rigorosamente nenhum dos convidados, além dos próprios pais, ela acabou passando a maior parte do tempo conversando com outro de seus infinitos primos, de 14 anos. “O garoto era uma figura, acabei me divertindo um pouco com ele. Mas fiquei tremendamente mal-humorada com meus pais me forçando a fazer sala com tias e tios, enfim, gente que eu nunca vi na vida e que são de um universo muito distante do meu. É um pessoal com outra visão de mundo, com senso de humor diferente, nada a ver comigo. Me comportei como meus pais queriam e eles ficaram satisfeitos, mas me senti sendo fazendo cena, sendo falsa, hipócrita. Parecia que eu estava batendo ponto, cumprindo contrato. Foi muito desconfortável pra mim. É por isso que detesto esses programas”, garante.
  
Mas, se Alexandra acabou cedendo à insistência da família, a secretária Emília Couto é mais radical. “Minha mãe me pede para ir a essas festas de família, que é família pelo sobrenome, porque não conheço ninguém. E nunca vou”, diz ela, batendo o pé. “No meu aniversário ninguém aparece, durante o ano, ninguém me procura, não sabem nada sobre mim e eu sobre eles. Não consigo entender esse protocolo, essa união que ela defende”, reclama. Outra cobrança que também costuma lhe aborrecer, no entanto mais fácil de quitar, é a carência dos mais próximos. “Tenho umas fases em que não paro em casa. Aí, meus pais pedem que eu, pelo menos, jante em casa com eles, pare um pouco para conversar, apareça na casa dos meus avós. Eu realmente sinto que às vezes, fico em falta com eles. Aí, passo uns tempos dando mais atenção. Mas faço isso porque gosto deles, gosto da companhia, são pessoas com quem divido minha vida. Não é a Tia Fulana que me viu quando eu nasci e ponto final”, considera.
A psicóloga e psicodramatista Márcia Homem de Mello reconhece que esse tipo de cobrança é recorrente nesses tempos modernos. Apesar disso, as coisas andam mais flexíveis do que no passado. “Antigamente, havia a obrigação, praticamente, da presença no almoço todo santo domingo, por exemplo. Hoje em dia, a pressão já não é tanta, embora haja a cobrança”, comenta ela. Na opinião de Márcia, o melhor a fazer para os envolvidos é evitar criar situações de desconforto. “Se não está a fim de ir, se não vai se sentir bem no programa, é melhor não ir mesmo. Caso contrário, pode-se criar uma situação desagradável porque a pessoa acaba indo contra a vontade, vai de mau humor, cara amarrada. Além disso, pode haver um atrito, com um lado cedendo para depois cobrar, etc”, complementa. 
A psicóloga, no entanto, ressalta a importância do ciclo social familiar para o crescimento do indivíduo. Para ela, há um movimento notável de isolamento dentro desses grupos. “As pessoas, talvez por preconceito, por medo de ‘pagar mico’, têm se afastado do meio familiar e criando seus grupos sociais muito distantes dele. Eu vejo muita gente sentindo falta de determinados valores por conta dessa distância e sem saber como retomá-los. A questão é que a família é insubstituível porque é dela que nós viemos. Só ela quem nos dá sustentação e segurança”, encerra ela.

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