top of page

Propriedade Privada
Por:  Fernando Puga - Site Bolsa de Mulher

 

Está lá no Aurélio: posse é a detenção de uma coisa com o objetivo de tirar dela qualquer utilidade. Segundo a teoria jurídica, é o poder que se tem de dispor fisicamente de uma coisa, com a intenção de que ela seja sua propriedade. Nos relacionamentos humanos, esse conceito acaba se refletindo em alguns momentos intimidatórios do tipo “com quem você estava?”, “que perfume é esse?” ou até “vai sair com aquele mané de novo?”. Mas, como ninguém é de ninguém, pelo menos no que diz respeito à propriedade física, as tentativas de manter um relacionamento aberto – cada vez mais comuns no dia de hoje – sempre esbarram num ímpeto natural do ser humano, solidificado na nossa estrutura social: o sentimento de posse.

Separada há quatro meses, a diretora de RH Bianca Lopes precisou reavaliar o que estava querendo da vida quando percebeu que sua proposta de viver um relacionamento livre estava surtindo efeitos contrários, justamente em função desse estranho conceito de propriedade. “Eu estava saindo de um casamento de oito anos e tudo o que eu não queria era mergulhar numa relação fechada. Precisava me sentir livre, mas não foi o que aconteceu. O cara com quem eu estava ficando, por mais que ele quisesse, não conseguia entender muito bem isso. Já tínhamos conversado e estabelecido claramente as regras: estávamos livres para fazer o bem entendêssemos. Mas quando eu fiquei com outro cara, ele se sentiu agredido. Disse que eu era igual a todas as mulheres e outras baixarias desse tipo”, conta.

Bianca acredita, no entanto, que as mulheres conseguem lidar melhor com a idéia de que alvará de propriedade e escritura em cartório não são termos essenciais para um relacionamento. “Acho que nós conseguimos dividir um homem melhor do que eles dividiriam uma mulher. Os homens têm uma coisa de orgulho muito forte, não conseguem admitir a independência sentimental ou sexual de uma mulher porque têm essa idéia de propriedade privada, não conseguem dividir”, teoriza. A psicoterapeuta e psicodramatista Márcia Homem de Mello garante que isso é natural. “Em quase todos os relacionamentos existe a idéia de posse sobre a pessoa amada. É possível que surja daí a fantasia da fidelidade, que é uma espécie de acordo mútuo, com objetivo de sentirem-se amados com exclusividade”, acredita. Ela explica que já chegamos ao mundo carentes e exigindo atenção dos pais em tempo integral. Como isso é impossível, crescemos com uma certa dívida, uma espécie de débito emocional que cobraremos no futuro. “Por isso existe esse tipo de exigência ‘toda a sua atenção tem que ser só minha’. É como se a gente dissesse, ‘não permitirei que você me traia como meus pais fizeram’”, diz.

No entanto, ela concorda com Bianca no que diz respeito a essa estranha divisão de papéis sociais que impõem ainda mais o sentimento de posse e poder nos relacionamentos amorosos. “O discurso social é seletivo, coíbe e pune: homem pode e mulher não pode, incluindo-se neste universo os sentimentos e as emoções. O possessor é sempre o homem e a possuída é a mulher”, comenta Márcia. Para a engenheira Sofia Diniz, que hoje afirma ter atingido o modelo ideal de relacionamento aberto, é preciso um pouco de sofrimento para atingir o tão sonhado ponto mútuo de compreensão no campo das liberdades individuais. “Eu e meu namorado passamos por um longo e difícil período de ajustes. Ao mesmo tempo em que eu – e ele também – sentia ciúmes, também sentia necessidade de ter minha vida, de sair com outros homens. É um sentimento um pouco egoísta, que gera uma certa culpa. Tivemos que trabalhar muito bem isso mas hoje sinto que são esses alicerces sólidos que construímos que nos mantêm juntos. Por incrível que pareça, me sinto mais segura assim porque sei que nós dois não trocamos a nossa relação por nada”, conta.

Para finalizar, Márcia Homem de Mello sugere ainda que nossa sociedade privilegia o sentimento de posse, fazendo com que valores se confundam e que seja preciso repensá-los em nome da liberdade. “O contrato de casamento parece muito mais com um contrato de compra e venda. Não estaremos nós falando de objetos e não de pessoas?”, questiona.

Agradecimentos

Márcia Homem de Mello
Psicoterapeuta e Psicodramatista
http://www.homemdemello.com.br/psicologia/ 

bottom of page