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Stalker - Cyberstalking - Perseguir

Por: Márcia Homem de Mello© - Julho de 2021

O termo que surgiu na década de 80, quando as maiores vítimas eram celebridades, hoje já domina o quotidiano de várias pessoas comuns, com a Internet e o progresso da tecnologia. Mas o comportamento de perseguir alguém, não é uma novidade dos anos 80 e é tema de estudos há muito tempo. A criminalização do ato de perseguir alguém, em alguns países, fez o assunto ganhar um novo fôlego, alguns casos vieram a tona, então decidi abordar o tema, e vou utilizar o termo PERSEGUIR.

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PERSEGUIR

STALKER

mídia social Digital

Ao ser considerado crime em alguns países, ajuda a vítima, mas demanda ainda muito desgaste emocional e esforços para unir documentos e material que comprovem a perseguição. O crime constatado nem sempre vai finalizar com resultados e penas que tranquilizem a vítima, que por muitas vezes, opta em mudar de trabalho e residência, sumir das redes sociais, para minimizar o desgaste e prejuízo emocional, as vezes até financeiro.

Nenhuma novidade, não é? Coisas assim acontecem há anos sobre as mulheres.

Quando o (ou a) perseguidor(a), fica obcecado(a), perde controle e a noção da realidade. Pode ficar obsessivo(a), com enorme dificuldade em separar-se da vítima. Dai a necessidade em fazer uma boa identificação do comportamento persecutório, para um posterior tratamento de saúde mental, com resultados eficientes. Pode ser consequência, por exemplo, do abuso de substâncias químicas, transtorno de personalidade, e tratá-lo reduz riscos futuros para a vítima atual, e também evitar que novas pessoas virem alvo de perseguição.

Quando pedi depoimentos de vítimas através do meu Instagram, sabia que conseguiria alguns, mas não esperava tantos. Pessoas de várias idades, classes sociais, com motivos diferentes, enviaram as suas histórias. Claro que o número relatos femininos foi maior, já que os homens sentem um constrangimento de falar sobre o tema. Segundo o Centers for Disease Control and Prevention (cdc.gov), 1 em cada 6 mulheres e 1 em 17 homens foram perseguidos em algum momento de suas vidas. Embora os homens tenham uma probabilidade quase 3 vezes maior de perseguir as vítimas, as mulheres não são imunes a esse comportamento. Aliás, uma ressalva, as vítimas e perseguidores podem ser do mesmo género, veja a primeira história.

Mulher Stalked na garagem
Carregamento Solar

As Histórias

A primeira que chegou, foi de uma mulher, na faixa dos 30 anos, seguida de perto por outra mulher, na faixa dos 20 anos. Como sou seguida por profissionais de saúde mental, o relato veio de uma psicóloga, que autorizou revelar a profissão, visto que serve de alerta para colegas em início da profissão. O(A)s veterano(a)s, quase todos, já devem ter algum relato parecido, incluo uma experiência minha, no exercício profissional. Ser alvo de projeção dos clientes é comum, isso nos torna alvos fáceis de distorções da realidade.

Nessa história relatada, a cliente passou a esperar a psicóloga terminar as suas sessões, para dar boa noite e ter certeza que ela estava segura até o final do dia. No começo, só no dia em que era a sua sessão, depois passou a diariamente, alguns com acompanhamento até a sua residência. Encaminhar e pedir tratamento medicamentoso, demorou para ser efetivado. Quando a perseguidora passou a dormir no carro na porta da sua casa, a ação precisou ser mais eficiente, com envolvimento familiar para apoio.

Já a segunda história, tem mais outras 3 parecidas, e passam pelos rompimentos amorosos. Todas as mulheres, na faixa dos 25 a 35 anos, relacionamentos heterossexuais, e perseguidores com idades aproximadas entre 28 e 40 anos. Uma mistura de relacionamentos abusivos, que se tornaram obsessão pelos exs, com vigilância tecnológica (APP instalados em celulares), espionagem em e-mails e redes sociais.

Uma delas acabou por ser demitida do trabalho, pela presença diária do ex, na receção. Ele não falava nada, sentava na receção do prédio, que oferecia um serviço aberto ao público, e assim passava o dia, a semana, o mês. No segundo mês, foi demitida.

A outra vítima optou em mudar de país, para evitar o controlo do ex sobre todos os movimentos e relacionamentos, inclusive movimentação financeira, dado que o gerente do banco era amigo do perseguidor.

E quando o ex é militar? Preciso dizer algo mais? O medo vira terror, a intimidação cresce, mas há muita sedução para manipular a vítima.

de mãos dadas

O primeiro relato, dos 2 únicos masculinos que vieram, começou com uma pergunta: "E se a stalker é a sua vizinha?"

Não é nada incomum que os comportamentos surjam de pessoas próximas, ao contrário, é mais comum vir de conhecidos, inclusive familiares, amigos ou vizinhos.

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Nessa história da perseguidora vizinha, as primeiras mensagens na rede social pareceram bacana, fizeram bem para o ego da vítima. Ele na faixa dos 45, personal, tinha a rede social pública por questões profissionais. Dali, a perseguidora, na faixa dos 40, obteve WhatsApp, horários, locais das suas aulas, informações sobre alunos e amigos, já que a moda agora é humanizar as redes. As mensagens que iniciaram com pedido de informação sobre aulas, elogios ao físico dele e dos alunos, gradualmente passou para críticas negativas as alunas e amigas. Ignoradas, por ser potencial futura aluna, foi o gatilho para a criação de contas fakes, mensagens de números diferentes no WhatsApp, bilhetes em baixo da porta. Bloquear as redes, não era o suficiente, preferiu mudar de endereço, passou a privacidade mais eficiente e omitir dados de localização e endereço novo.

O segundo relato masculino, veio da faixa dos 40 anos, conta sobre uma perseguidora de call center, desconhecida, que após uma primeira chamada para oferecer um serviço, terminou por passar a ligações diárias, alguns dias com mais de 5 ligações. De números diferentes, não adiantava mais bloquear, e ela sabia informações pessoais. O que pareceu muito sexy nas primeiras conversas, terminou em processo judicial para descobrir a empresa em que a perseguidora trabalhava. Apesar receoso em continuar no mesmo endereço, a vítima passou a ficar mais alerta, estado que mantém já há 6 anos, sempre que chega ou sai da sua casa. Conseguir identificar a perseguidora, ajudou a ter uma imagem registada na memória, a qual ajudava nessa vigilância, mas é também um registo da vivência de ter sido perseguido.

Central de Atendimento

Duas histórias, dois alertas

As duas histórias que seguem, além dos exemplos acima, trazem informações importantes sobre privacidade e tecnologia.

Alunos conversando

O primeiro relato é de uma mulher que o caso iniciou aos 20 anos e só terminou aos 30 anos. Vítima de um colega de faculdade, que fazia questão de estar sempre por perto, o que parecia uma amizade sincera e despretensiosa, transformou-se num sufocamento e isolamento da vítima. A convivência na época de faculdade parecia natural e até saudável, trocavam confissões, faziam atividades e viagens juntos. Como ambos eram tímidos, facilitava a inclusão e entrosamento com outras pessoas. O problema começou a aparecer quando terminaram os estudos e seguiram caminhos diferentes, o convívio diminuiu. 

Com muitos amigos nas redes sociais em comum, ficava fácil saber o que cada um fazia e com quem. O que para ela parecia natural, para o perseguidor era sinónimo de desprezo e rejeição. Ele havia adicionado todos os amigos e familiares dela, nas suas redes e ela nem havia notado. Começou a contactá-los e criar relatos fantasiosos de coisas que ela dizia sobre esses amigos.

Gradualmente ela foi isolada por eles, enquanto o perseguidor mantinha a presença, interpretava o papel de "bom amigo" e dava o conforto nos momentos exatos. Um dia ela resolveu confrontar uma amiga e descobrir o que havia acontecido. A situação veio toda a tona, com relatos e mais relatos, do que aconteceu nos bastidores das redes, as conversas todas expostas. 

Ela apagou todas as suas redes sociais, iniciou outras contas, com a devida privacidade estabelecida. Comunicou aos familiares dele e pediu atitude, com a condição de não acionar a justiça se houvesse adesão ao tratamento.

O segundo relato é de mais uma mulher, na faixa dos 45 anos, o seu perseguidor, na faixa dos 50 anos, com muito conhecimento em tecnologia. Conheceram-se nas redes sociais, como muitas pessoas fazem desde que a Internet surgiu.

Um relacionamento virtual, com alguém que não conheceu pessoalmente, mas acreditava conhecer muito bem através da tela. Passados 6 meses, começou a achar estranho, algumas ligações sempre acontecerem quando estava na rua, quando chegava em determinados lugares. Podia passar horas em casa, ele não ligava, as vezes passava o dia sem enviar mensagem, mas bastava sair, estar alguns quilómetros de casa, ele mandava mensagem e ligava se havia demora na resposta.

Antes de pensar estar paranoica, fez alguns testes, vasculhou o celular por conta própria na procura de algo estranho ou arquivo diferente. Evitou pedir ajuda, podiam dizer que ela estava maluca. Então, radicalizou e trocou o celular. Foi quando iniciaram mensagens diárias, questionamentos sobre o que havia feito durante o dia. Três dias depois, um arquivo enviado pelo perseguidor, não foi aberto por ela, usou uma desculpa tola. 

Surgiu então um novo homem, mais desconfiado e agressivo, acusava-a de ter outra pessoa, já não estava tão presente e acessível como antes. Touché! Ela resolveu levar o antigo celular e notebook para um técnico avaliar. Os achados? Uma APP (localizador) e outra para escuta dos áudios no celular. No notebook, um software para controlo da sua câmera. 

Aprendizagem online.
Mesa de trabalho

O Alerta ficou claro?

Espero que sim. Precisamos prestar atenção aos comportamentos exagerados sempre, não ignore os sinais. 

Ao primeiro incómodo, na primeira mensagem estranha, ao comentário controlador ou comportamento obcecado, afastar é regra, não a última opção. Não julgue que vai conseguir ajudar, quando se é alvo de perseguidores. A visão que têm das suas vítimas está distorcida, há uma história criada nas suas mentes, que não será modificada apenas com conversa e boa vontade. Lembre-se, pode ser um familiar, amigo, vizinho, colega de trabalho ou escola.

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Se o(a) perseguidor(a) é um(a) estranho(a), jamais responda mensagens, a sedução e manipulação é uma arma importante dessas pessoas, que também são inteligentes e geralmente já observam as suas vítimas há algum tempo, antes do primeiro contacto. No relato acima da perseguidora do call center, o gatilho pode ter sido qualquer comentário simpático ou tom de voz, que disparou uma história mental de disponibilidade da vítima. A vítima no que lhe concerne, ao consentir as primeiras ligações, reforçou o comportamento persecutório. 

Vale reforçar MUITO a atenção na receção de arquivos ou acesso a links que aceitamos nos nossos equipamentos. Os carros são rastreados por satélite, os celulares igualmente. Ter adesivos diante das suas câmeras é uma recomendação antiga. Não acredite ser paranoia, quando até as suas conversas são sim, monitoradas por APP comuns instalados nos nossos equipamentos, avalie quando é uma pessoa obcecada em obter informações a seu respeito. 

Desconfiar SEMPRE de perfil em redes sociais com poucos seguidores, publicações recentes. Se vai conectar em videoconferência, já é possível configurar o modo de uso só enquanto a APP estiver aberta. Quando acabar, volte a colocar adesivo sobre a câmera, porque ela pode ser aberta em modo remoto pelo invasor. Vai trocar de roupa, tomar banho, não tem adesivo nas cameras dos equipamentos, fecha o notebook, coloca o celular na gaveta, porque vovó, que nem usava Internet, dizia que precaução e caldo de galinha não fazem mal nenhum!

Se for alvo de perseguição, procure ajuda da justiça! Insista e mude de profissional ou delegacia, caso não ouçam o assunto com seriedade que a situação merece.

"Há ainda uma terceira porta, saída de emergência para os desiludidos do amor: não, nada de matar o objeto da paixão ou esperar com o pensamento negro de ódio que ela vire uma megera jogando moscas na sopa do marido hemiplégico, mas apenas renunciar. Simplesmente renunciar com o coração limpo de mágoa ou rancor, tão limpo que em meio do maior abandono (difícil, hein?) ainda tenha forças para se voltar na direção da amada como um girassol na despedida do crepúsculo. E desejar que ao menos ela seja feliz."

Lygia Fagundes Telles in A Disciplina do Amor

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