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"Um Divã na Internet" 
Por: Vilma Homero - para o site PlanetaVida

RIO DE JANEIRO - De um lado, o paciente que, na solidão de seu próprio quarto, tecla os problemas no computador. Do outro, um psicoterapeuta responde. Pelo ICQ, está em curso um tratamento terapêutico. Sinal dos novos tempos. Depois dos serviços bancários, das compras, das buscas de material de pesquisa e dos chats, já se pode também tratar neuroses e questões emocionais pela Internet.

Há quem questione a validade desse tipo de tratamento, acusando-o justamente de ser virtual demais. Mas há quem não veja diferenças fundamentais entre o que é tratado entre as quatro paredes de um consultório e pela Internet. Enquanto isso, cada vez mais internautas descobrem o mundo psi. Segundo pesquisa feita no site da Abrapsmol, sigla para Associação Brasileira de Profissionais de Saúde On Line (sim, já existe uma associação para isso), o pessoal que navega pela rede não chega a estranhar. Num universo de 127 pessoas, a maioria delas do sexo feminino (61%), entre 30 e 45 anos, declarou que usaria o computador para fazer terapia (77%). E 52% dos que responderam à enquete acham que a Internet é somente uma ferramenta a mais de tratamento.

A criação da associação, por sinal, surgiu tanto da necessidade de se regulamentar a atividade, que hoje é exercida por um número enorme de profissionais, quanto para se contrapor ao Conselho Federal de Psicologia, que proíbe seus membros de atender pacientes on line. O site tem uma média de dois mil acessos mensais e reúne atualmente 12 profissionais, entre psicólogos, psiquiatras e psicanalistas.

A associação também se preocupa em promover cursos de capacitação em informática aos terapeutas. Enquanto isso, o Conselho Federal de Psicologia procura regulamentar a prática, considerando que o atendimento virtual deve ser visto como pesquisa, ainda sem comprovação de sua eficácia terapêutica.

Responsabilidade de profissional deve ser a mesma do consultório

A psicóloga e psicodramatista Márcia Homem de Mello contesta. Não é de hoje que vem usando a Internet. Pioneira, usuária desde o tempo em que os provedores se chamavam BBS, para ela, foi quase um caminho natural unir o trabalho de consultório ao computador. Hoje, em seu site pessoal, ela responde cerca de 30 e-mails por dia, de perguntas de estudantes, dúvidas em geral e gente que usa a correspondência eletrônica como forma de catarse para problemas pessoais.

“A terapia on line realmente funciona e tem resultados expressivos no sentido positivo. As restrições ficam por conta de clientes que precisem de um acompanhamento mais especializado, como medicação. E cada profissional precisa ter a mesma responsabilidade que tem no consultório”, avalia a psicóloga, que atualmente preside a Abrapsmol.

Para separar os que pretendem se submeter seriamente a um processo terapêutico dos que entram apenas por curiosidade, a psicóloga marca hora para uma entrevista pelo ICQ, e envia, por e-mail, um questionário em que pede dados pessoais e pergunta sobre os conflitos que se quer tratar. Depois de uma sessão gratuita, para dar continuidade ao tratamento, é preciso ter prestado todas estas informações. E pagar pela sessão, o que, segundo explica, também serve como uma forma de definir a seriedade do trabalho e marcar o compromisso.

Mentir, passar informações fantasiosas, ou mesmo tentar enganar o terapeuta, segundo Márcia, também não cola. “Nossas mentiras, os personagens que criamos, ou nossas fantasias também falam muito de como somos e quem somos. A psicóloga também não atende adolescentes, embora a procura seja grande. Só com autorização dos pais. E como nem sempre se pode confiar que a autorização apresentada seja verdadeira, para os jovens só um aconselhamento rápido, por e-mail.

Atendimento on line seria mais útil como terapia breve

Segundo Homem de Mello, o atendimento virtual tem um perfil para ser mais utilizado como terapia breve. Mas nada impede que os tratamentos de maior duração também possam acontecer. Opinião partilhada pelo psiquiatra Tárcio de Carvalho, professor da Universidade Federal de Pernambuco, que divide suas atividades entre consultório, aulas e computador, e ainda se empenha em realizar uma pesquisa que avalie os prós e contras da novidade.

“Também é preciso identificar os casos que necessitam de encaminhamento a um atendimento face to face”, diz o médico, responsável pelo site Hospital Virtual, onde oferece informações e respostas a dúvidas sobre saúde mental, e o Psiquiatria On Line, em que faz atendimentos.

Embora os estudos do Dr. Tárcio ainda estejam no começo, ele acredita que uma das características da Internet é propiciar uma sensação de anonimato em que os pacientes se sentem bem mais à vontade para contar seus mais íntimos segredos. O que termina revelando mais um dado: grande parte dos que procuram terapia na Internet relata problemas da sexualidade. “Diante do computador, estas pessoas acham que podem falar sem segredos, contam coisas que talvez não tivessem coragem de dizer frente a frente, num consultório”, endossa a Dra. Homem de Mello.

Ausência de presença física é grande impecilho

Para a psicanalista Luli Milman, este tipo de psicoterapia, entretanto, peca por uma limitação básica: a ausência de presença física. “Terapia subentende estar de corpo presente, tanto a voz quanto o gestual são fundamentais para o processo. O filósofo francês Jean-Paul Sartre não dizia que o inferno são os outros? Pois é exatamente isto. O problema são as questões que os outros nos trazem, nossas relações com o mundo. Se o anonimato que o on line propicia favorece a abordagem de questões mais íntimas, ajuda no efeito catártico, por outro lado, sem o limite da presença do outro, não há como trabalhar as questões levantadas, reconstruir e buscar outras respostas”, pondera.

A psicanalista, no entanto, acredita que a tendência, de certa forma, é um tanto inevitável. Para não interromper o atendimento de pacientes que estavam em momentos de crise, mas precisaram viajar, Milman não hesitou em recorrer ao e-mail. Recorreu, sim. Mas ressalta. “Só entendo o uso da Internet em situações excepcionais, em que se precisa manter o vínculo terapêutico. E assim mesmo, por períodos breves”, diz.

É o que pensa a psicóloga Lúcia Bello, que acredita que toda esta discussão ainda está no começo. Ela bate na tecla de que, sem a presença física, fica faltando uma série de pressupostos básicos do tratamento. “Na verdade, não se estabelece uma relação, não há manifestação de sentimentos”, diz. Embora admita não ter ainda uma opinião fechada sobre o assunto, Lucia acha tudo muito discutível. “Atendimento é outra coisa.” 

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