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No Divã Virtual 
Cristina Capuano – Rev. Claudia On-line 02/2002 (Nº02 Ano 41) 
 

Psicólogos interpretam sonhos, orientam e tratam pacientes via internet. É a terapia on-line, que está em fase de teste e já provoca polêmica entre os profissionais de saúde mental

 

Dois internautas trocam e-mail, marcando um encontro pelo ICQ, programa de conversação instantânea na internet. A cena, típica dos namoros virtuais, se repete numa nova modalidade: a psicoterapia on-line. A comodidade de tratar o emocional em casa conquista pacientes e provoca polêmica entre especialistas. O psicanalista Julio Frochtengarten, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, é contra. Ele considera fundamental a presença na sessão. "Falta sentir o timbre da voz e a expressão do olhar, que são vitais na relação terapêutica", diz. Marcos*, 27 anos, universitário, de Palmas (TO), concorda: "Às vezes minha psicóloga escreve coisas que não me agradam. Não sei se está sendo sarcástica ou me levando a sério, porque não vejo seu rosto". 
Os defensores garantem que a novidade ajuda quem não gosta de se expor, cara a cara, a um estranho. "Os tímidos se abrem", afirma a psicóloga recifense Márcia Homem de Mello. "Com privacidade, no primeiro e-mail escrevem relatos enormes." Foram necessários apenas 20 e-mails, em 1999, para o engenheiro mineiro Itamar*, 35 anos, resolver um problema. Ele perguntou ao psicólogo Marcelo Salgado, de Fortaleza: "Por que me irrito com alguém que fala de boca cheia?" A situação, considerada por ele "idiota", o atrapalhava nas relações sociais e profissionais. Marcelo respondeu: "Se seus dilemas fossem idiotas, nem você ligaria para eles. Podemos começar a análise por aí". 
O profissional pediu uma biografia e recomendou que fizesse o pagamento em sua conta corrente ­ a confirmação de que o cliente queria o tratamento. No contato seguinte, Itamar contou que admirava o pai, um engenheiro de poucas palavras, que não era "de abraçar e beijar" a família. O episódio que o marcou veio à tona. Ainda adolescente, estava almoçando quando o irmão mais velho repreendeu o pai, que falava de boca cheia. Itamar pediu ao irmão que não fizesse aquilo. Ele revidou batendo em Itamar. Com novas reflexões o cliente concluiu que apanhar na frente do pai, que admirava, rendera a dificuldade de se relacionar. "Encarar o fato clareia um pouco", disse no último e-mail. 
Há mais de um ano, quando os atendimentos se multiplicavam sem controle, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) restringiu o divã virtual à pesquisa. Só pode oferecer terapia on-line o profissional que tenha como objetivo testar a eficácia do tratamento. Para isso, ele deve apresentar um projeto de trabalho e esperar autorização para começar. Como o caráter é experimental, está impedido de cobrar, e o paciente precisa assinar um documento permitindo que os resultados sejam usados em estudos. A decisão não atingiu os 50 sites de ajuda psicológica, porque eles não oferecem tratamento, mas conselhos. 
Nos Estados Unidos, o divã virtual surgiu em 1994. Lá, 700 profissionais trabalham sob fiscalização. "Por causa da pressão do CFP, houve um retrocesso no Brasil", queixa-se Márcia de Mello, que preside a Associação Brasileira de Profissionais de Saúde Mental On-line e chegou a ser denunciada ao órgão por trabalhar virtualmente. Calcula-se que 15 profissionais continuem atuando na rede. Metade não tem autorização e alguns aproveitam o território livre da internet para cobrar até 60 reais por consulta. A psicóloga Lúcia Salgado, de Brasília, não recebe nada porque acredita que a ajuda virtual vai revolucionar a ciência. Mas adverte: "Ela não se aplica a distúrbios patológicos graves, depressão profunda ou tendências suicidas". 
Quase todas as linhas de trabalho são adotadas no divã virtual. A mais complexa delas, a psicanálise, já tem uma representante. É Thaïs Sá Oliveira, do Rio de Janeiro, autora de artigos publicados em jornais e revistas. Ela atende via internet e se submete a sessões com um profissional italiano. "No início, queria saber como se sente um paciente à distância", conta. "Agora vejo que a técnica funciona. Cheguei a me emocionar diante da tela com diálogos que me fizeram crescer." 
Na universidade, o tema ganha terreno. O psicólogo Oliver Prado, da USP, coordena uma equipe que atende 300 pessoas. Elas entraram em contato com o grupo entre agosto e outubro do ano passado por meio de um site. Na PUC de São Paulo e na Universidade Federal do Rio de Janeiro, outros três estudos sobre terapia on-line estão em andamento. Enquanto as provas da ciência não ficam prontas, os internautas devem se cuidar para não entrar numa fria. Afinal, tratar da alma não é tão simples como comprar livro ou CD. 
Como escolher 
Na rede há de tudo, de profissionais sérios a charlatões. Se você decidir experimentar psicoterapia on-line ou sites de orientação psicológica, é preciso tomar alguns cuidados: 
1. O profissional deve informar o número do registro. Se for psicólogo, cheque com o Conselho Regional de Psicologia. Se for médico, com o Conselho Regional de Medicina. 
2. A consulta é virtual, mas o terapeuta tem que dizer onde se formou e em que local está estabelecido. 
3. O site deve ser claro quanto ao serviço, à linha de trabalho adotada e à forma de comunicação (por e-mail, chat ou também por telefone). 
4. A cobrança é ilegal e, por enquanto, a psicoterapia on-line só é feita com fins de pesquisa. Lembre-se de que a rede não é segura e as mensagens correm risco de violação. 
*Nomes trocados para preservar a identidade dos entrevistados 

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